O Brasil vive uma combinação de desafios que vão além do ajuste fiscal. Com o envelhecimento acelerado da população e a desaceleração do crescimento da força de trabalho, o futuro da economia dependerá da capacidade de aumentar a produtividade por meio da educação e da formação de capital humano. Esse foi o ponto central do painel Brasil 2030: cenários econômicos, riscos globais e as oportunidades que poucos estão enxergando, realizado na última segunda-feira, 29, na Semana Caldeira, em Porto Alegre.
Na abertura, o diretor executivo do Instituto Caldeira, Pedro Valério, destacou a necessidade de discutir como o país pode “navegar em ambientes tão hostis, dinâmicos e incertos como os dias de hoje”, em meio às rápidas transformações tecnológicas e às recorrentes dificuldades internas. A provocação deu o tom para a análise dos economistas Mansueto Almeida, chefe do BTG Pactual, e Aod Cunha, ex-secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul.
Mansueto chamou atenção para o peso das contas públicas como entrave ao investimento. Ele lembrou que o Brasil opera hoje com um déficit nominal próximo a 8% do PIB e uma dívida em trajetória ascendente. “Ou se controla o crescimento do gasto público ou não haverá espaço para juros menores e um ambiente mais propício à tomada de risco”, afirmou. Para ele, a disciplina fiscal não é apenas uma questão contábil, mas a condição básica para que empresas e empreendedores possam planejar no longo prazo.
Envelhecimento da população exige ganhos de produtividade
O economista ressaltou, no entanto, que o desafio brasileiro não se restringe ao campo fiscal. Com a taxa de natalidade em queda e a expectativa de vida em alta, o país terá cada vez menos trabalhadores ativos. “O normal do Brasil daqui para frente será uma força de trabalho menor, e o crescimento dependerá essencialmente da produtividade”, disse. A solução, segundo ele, passa por ampliar o investimento em capacitação e pesquisa, além de criar um ambiente favorável à inovação.
Aod Cunha reforçou a análise demográfica. Ele destacou que o Brasil passa por uma das transições populacionais mais rápidas do mundo: em poucas décadas, deixou de ser um país jovem para entrar em processo de envelhecimento acelerado. “Todos precisarão ser mais produtivos. Os governos terão de ser mais eficientes, as empresas com mais capital e as pessoas com melhor educação”, afirmou. Cunha lembrou que, enquanto a força de trabalho expandia, o país pôde crescer mesmo com baixa eficiência. Com o bônus demográfico chegando ao fim, essa estratégia já não é possível.
A educação básica foi colocada como prioridade. Para Cunha, o Brasil avançou na universalização do acesso ao ensino, mas ainda patina na qualidade da aprendizagem. “Colocamos as crianças dentro da sala de aula, mas agora precisamos garantir que elas aprendam mais. Isso é produtividade na veia”, destacou. Ele ressaltou que, como 80% das matrículas estão na rede pública, não basta melhorar apenas escolas privadas ou projetos pontuais: é necessário elevar o padrão da educação pública em escala.
Exemplos de competitividade e iniciativas locais
O exemplo da Embraer foi usado por Mansueto para ilustrar a relação entre formação e competitividade. O economista lembrou que a empresa só se tornou viável graças a uma cadeia que começou com o ITA, formou engenheiros de excelência, foi reforçada por centros de pesquisa e culminou na criação da companhia. “A Embraer se tornou competitiva porque o Brasil fez o dever de casa em educação e pesquisa. O mesmo caminho pode valer para outros setores”, afirmou, destacando que a integração com cadeias globais foi decisiva para consolidar a indústria aeronáutica nacional.
No campo empresarial, Cunha defendeu maior articulação do setor privado. Segundo ele, o Brasil desperdiça oportunidades ao dispersar esforços em pautas fragmentadas, em vez de construir uma agenda unificada de prioridades. “O setor privado ainda precisa aprender a coordenar uma agenda potente, que vá além de demandas pontuais e consiga transformar o ambiente de negócios”, disse. Ele citou como exemplo positivo a criação de um instituto de tecnologia em Gravataí, fruto de doações de empresários e fundações, voltado à formação em computação e inteligência artificial.
Os painelistas também destacaram o papel do Instituto Caldeira como plataforma de inovação e formação de talentos no Rio Grande do Sul. Mansueto apontou o hub como exemplo de ambiente que estimula o empreendedorismo e desenvolvimento de jovens. Para Aod, iniciativas como essa são essenciais para dar escala à qualificação e preparar novas gerações para lidar com transformações tecnológicas, em especial a inteligência artificial.
As falas convergiram para a ideia de que o futuro do país não será definido por choques externos ou pela sorte, mas pelas escolhas internas em educação, inovação e eficiência do gasto público. O cenário global, com relocalização de cadeias produtivas e crescente demanda por energia renovável, pode abrir oportunidades ao Brasil. Mas, como lembrou Cunha, “o crescimento, a capacidade de prosperar, está nas nossas mãos”.
A mensagem final dos economistas foi de cautela, mas também de otimismo. Para Mansueto, “em épocas difíceis também surgem oportunidades, e o Brasil já enfrentou momentos muito mais graves”. Para Aod, a chave está na inteligência artificial e na transformação digital, que podem ampliar a produtividade se houver base educacional sólida. O consenso: sem enfrentar o desafio da formação de capital humano, o país não conseguirá sustentar crescimento nem garantir empregos no futuro.