Embora a inovação e o modelo de negócios sejam fatores críticos para o sucesso de uma startup, a estruturação da governança pode ser decisiva para sua longevidade. Um estudo da Deloitte revelou que empresas com práticas de governança bem definidas têm mais chances de crescer e sobreviver por mais de cinco anos, em comparação com aquelas sem tais práticas.
De acordo com o sócio da Ventiur Smart Capital, Leonardo Mezzomo, as aceleradoras desempenham um papel fundamental para a criação desse ambiente de negócios mais estruturado e sustentável. “A formalização da relação entre o investidor e a investida cria uma necessidade de governança, que a startup precisa amadurecer para se adequar. Somos responsáveis por realizar esses primeiros aportes e, ao mesmo tempo, por exigir – e muitas vezes ensinar – as startups sobre as boas práticas de governança corporativa”.
Para a sócia da Ventiur Smart Capital, Gabrielly Balsarin, o termo governança colaborativa pode parecer complicado para os empreendedores, mas, no momento inicial, é mais simples do que parece. “Essa governança envolve, principalmente, a criação de uma estrutura básica de reportes, transparência, organização de documentos e diligência com os investidores”.
Gabrielly explica que esses são os primeiros passos para uma startup começar a se estruturar em relação aos seus processos de governança. “Nessa etapa inicial é essencial estabelecer práticas de diligência e transparência que atendam às expectativas dos investidores”.
Acordo de Acionistas
Segundo a pesquisa Métrica de governança para startups: um panorama da adoção de práticas recomendadas de governança corporativa, realizada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), apenas 14% das startups em fase de validação possui um Acordo de Acionistas. Entre as scale-ups de tração e escala, apenas 37% e 35%, respectivamente, possuem um acordo de sócios assinado.
Para a especialista em desenvolvimento profissional e mudanças organizacionais, Susana Azevedo, implementar uma governança estruturada, com processos claros, é fundamental para sustentar o crescimento de um negócio. “Mais do que estruturar áreas isoladas, é essencial enxergar a empresa como um ecossistema interdependente. O Acordo de Acionistas possibilita uma governança baseada na colaboração, garantindo alinhamento estratégico e evitando conflitos futuros”.
Susana é sócia da Quantum Development, uma consultoria com foco em empresas familiares de médio porte e executivos de grandes empresas, que ajuda organizações a transformar suas visões e planos em realidade, conectando diferentes elementos da estrutura empresarial. “No cenário ideal, convidamos nossos clientes a refletirem sobre o que seria o melhor modelo de relacionamento, seja com o conselho, com as lideranças ou entre equipes. Ter essa visão intencional é essencial, porque, sem ela, as pessoas tendem a se manter em um lugar de competição e disputa, focando em quem tem mais razão, em vez de buscar soluções conjuntas”.
Nos conselhos, Susana explica que os investidores frequentemente têm uma visão voltada para o curto prazo, o que pode ser um ponto de tensão, especialmente em empresas familiares. “Nessas empresas, os investidores têm um vínculo emocional com o negócio, tratando-o como uma extensão de si mesmos. Essa perspectiva de longo prazo, que visa a sustentabilidade do negócio, muitas vezes entra em conflito com a urgência de resultados imediatos”.
Para o CEO do Grupo Leveros, Tiziano Pravato Filho, o desafio está em lidar com o momento em que aquele plano cuidadosamente elaborado no início, cheio de expectativas de prosperidade, sai do curso original. “Vale destacar que esses planos quase nunca contemplam cenários adversos. São sempre focados no sucesso”.
Então, quando a realidade não corresponde ao planejado, surge a questão: como ficam as dinâmicas no conselho? Esse é um ponto crítico. “Nos conselhos, há uma diferença fundamental entre o sócio investidor financeiro – que está comprometido com seus próprios investidores e precisa justificar qualquer desvio do plano original – e a equipe de gestão, que vive as nuances do mercado no dia a dia. Essa diferença pode gerar tensões significativas”, explica Pravato Filho.
Gabrielly entende que o Acordo de Acionistas deve ser feito desde o início da empresa. “Quando um investidor olha para uma startup, quer entender o que os empreendedores e acionistas já acordaram entre si. Isso é fundamental para evitar conflitos futuros e garantir a estabilidade do negócio”.
No Acordo de Acionistas, algumas cláusulas são importantes para garantir previsibilidade e segurança jurídica. Entre elas:
- Participação no negócio: O que acontece se um acionista quiser sair? Sua participação será vendida, redistribuída ou permanecerá na empresa?
- Remuneração entre sócios: Como serão tratados aumentos salariais e eventuais compensações financeiras?
- Cenários extremos: Em caso de falecimento de um sócio, o que acontece com sua participação? Ela será redistribuída ou permanecerá com a família?
No que diz respeito à governança, Mezzomo explica que a Ventiur Smart Capital foca principalmente nos contratos iniciais, nas relações formalizadas ao longo do histórico da empresa e nas relações entre os sócios. “Esses são pontos-chave para garantir uma base sólida para o crescimento do negócio”.
Mezzomo lembra mais de casos em que a falta de um acordo foi prejudicial para o negócio do que de situações em que o acordo ajudou a superar algum conflito. “Geralmente, quando o conflito já existe, é muito difícil que ele seja resolvido apenas pelo acordo. O que o acordo faz é minimizar os impactos negativos no negócio, blindando e protegendo a operação de uma forma geral. Mas isso não significa que o conflito será superado por causa dele”.
Monitoramento constante
Ao considerar apenas a etapa de maturidade em governança, independentemente da fase de desenvolvimento informada, o estudo Startups & scale-ups: maturidade em governança – uma pesquisa que retrata o panorama do ecossistema brasileiro, realizado pela Better Governance, consultoria especializada em governança, identificou que aproximadamente 40% das empresas estão no estágio Básico, enquanto cerca de 42% se encontram no estágio Em Desenvolvimento. Apenas 15% da amostra alcança o estágio Desenvolvido, e somente 2,4% estão em uma fase Avançada de maturidade em governança.
Pravato Filho entende que os indicadores básicos são uma das primeiras coisas que se deve analisar em uma startup. “Não gosto muito de ver uma ideia apenas no PowerPoint. Quero entender os principais indicadores, especialmente no que diz respeito ao Product-Market Fit. Mesmo que o produto ainda não tenha atingido a rentabilidade esperada, qual é a proposta de valor que está sendo criada para o consumidor? Como podemos medir essa proposta de valor?”.
Nas empresas investidas pelo Grupo Leveros, como por exemplo, a Uappi, empresa especializada em oferecer soluções de e-commerce com atuação nacional, Pravato Filho explica que o foco inicial foi entender como os indicadores de desempenho se comparavam com os de outras plataformas e como isso impactava a performance de vendas. “Para mim, os dois principais fatores a serem analisados são o Product-Market Fit e o comprometimento dos fundadores com o negócio”.
Fique de olho
A governança colaborativa vai além de uma tendência. É uma necessidade no ambiente dinâmico das startups. Empresas que adotam práticas transparentes, estratégicas e inclusivas têm maior capacidade de gerar valor sustentável e enfrentar os desafios do mercado. No próximo artigo da série Governança Colaborativa em Startups, exploraremos como o comprometimento com ESG e a construção de uma cultura de governança sólida são fundamentais para atrair investidores, fortalecer a reputação e garantir o crescimento sustentável das startups.