Nos últimos anos, temos observado uma banalização preocupante dos conceitos relacionados à sustentabilidade. Termos como ESG, que nasceram como uma forma estruturada de gestão empresarial voltada para o equilíbrio entre questões ambientais, sociais e de governança, passaram a ser utilizados de maneira superficial, como se fossem slogans de autoajuda ou estilos de vida pessoais – “ESG lifestyle”, por exemplo. Essa apropriação indevida, que podemos chamar de coachtização, dilui a seriedade do conceito e o transforma em um jargão vazio.
O ESG não é um modismo nem uma filosofia individual de vida: trata-se de um instrumento de gestão corporativa, com métricas, indicadores e responsabilidades claras, utilizado para orientar empresas na criação de valor sustentável e na mitigação de riscos socioambientais e de governança. Reduzi-lo a frases motivacionais ou a um estilo de consumo “politicamente correto” não apenas distorce sua essência, mas também atrapalha a compreensão de seu verdadeiro impacto.
O perigo desse uso superficial está em dois pontos principais:
- Perda de credibilidade – quando o termo é banalizado, ele deixa de transmitir seriedade. Executivos, investidores e até mesmo a sociedade passam a encarar o ESG como mais um modismo, e não como uma prática de gestão estratégica.
- Desvio do foco real – ao transformá-lo em discurso motivacional, corre-se o risco de desviar a atenção do que realmente importa: políticas corporativas robustas, transparência, relatórios de impacto, respeito às pessoas e ao meio ambiente.
Além disso, a coachtização favorece a proliferação de práticas de greenwashing e social washing. Quando tudo se resume a frases prontas e discursos vazios, abre-se espaço para empresas que apenas “parecem sustentáveis”, mas não mudam efetivamente suas estruturas, processos e relações com a sociedade. O discurso inflado sem prática consistente fragiliza a confiança e aumenta a desinformação sobre o tema.
Outro ponto crítico é que, ao transformar ESG em estilo de vida, corre-se o risco de transferir responsabilidades institucionais para o indivíduo. Consumir produtos “verdes” ou adotar hábitos conscientes é importante, mas não substitui a necessidade de que empresas adotem modelos de governança transparentes, práticas trabalhistas justas e políticas ambientais robustas. A sustentabilidade é responsabilidade coletiva e deve estar na estratégia empresarial, não apenas no carrinho de compras ou em frases de efeito.
É fundamental lembrar que sustentabilidade e ESG são temas complexos, que exigem dados, planejamento e comprometimento institucional. A coachtização simplifica o discurso em excesso, deixando de lado a profundidade necessária para gerar mudanças reais.
Portanto, mais do que nunca, é preciso resgatar a seriedade do tema. Empresas devem compreender que ESG não é “marketing verde” nem “lifestyle”, mas um modelo de gestão estratégica que garante perenidade, competitividade e responsabilidade social. Apenas assim será possível avançar em direção a uma economia verdadeiramente sustentável e justa.
Outro efeito colateral da coachtização é a desvalorização do trabalho técnico e científico que sustenta o ESG. Pesquisadores, gestores e profissionais especializados dedicam anos para desenvolver metodologias, indicadores e práticas de impacto real. Quando o conceito é transformado em chavão, o esforço de quem trabalha seriamente no tema é invisibilizado, e a sociedade deixa de compreender que sustentabilidade exige conhecimento interdisciplinar e investimento consistente.
Além disso, há um risco reputacional para as próprias empresas. Ao adotar discursos vazios de “lifestyle ESG” sem implementar políticas estruturais, elas acabam gerando frustração entre consumidores e investidores. A incoerência entre o que se comunica e o que se pratica mina a confiança e pode até trazer sanções legais ou perda de valor de mercado, já que os critérios ESG são cada vez mais considerados em análises de risco e de investimento.
Outro ponto importante é que a banalização reforça desigualdades. Quando se coloca o ESG como um estilo de vida individual, o acesso a práticas sustentáveis se torna uma questão de consumo, e não de políticas públicas ou de gestão organizacional. Isso significa que apenas aqueles com poder aquisitivo conseguem “aderir” ao discurso, criando uma falsa ideia de sustentabilidade elitizada e excluindo comunidades que deveriam ser protagonistas nesse processo.
É preciso também considerar que a coachtização gera desinformação em larga escala. Em vez de fortalecer a educação corporativa e social sobre o tema, ela cria atalhos discursivos que parecem acessíveis, mas que na prática afastam as pessoas da compreensão real. Isso dificulta a construção de uma sociedade mais crítica e engajada, já que os debates passam a ser pautados por frases prontas, e não por dados, indicadores ou compromissos verificáveis.
Por fim, ao esvaziar o ESG em um slogan motivacional, perde-se a oportunidade de mostrar que ele pode ser um diferencial competitivo real. Empresas que tratam o ESG com seriedade conseguem atrair investimentos, reter talentos, inovar em processos e fortalecer suas marcas. Porém, isso só é possível quando o tema é encarado como gestão estratégica, e não como uma moda passageira ou uma caricatura de sustentabilidade.