Se a inteligência artificial promete fazer 95% do trabalho de marketing, o que ainda cabe aos humanos? Essa pergunta, que para alguns soa como avanço e para outros como alerta, revela um cenário onde marcas correm o risco de se tornarem apenas engrenagens eficientes, mas emocionalmente vazias, em um sistema cada vez mais automatizado e impessoal.
Durante os últimos anos, o marketing foi dividido entre dois universos bem distintos: de um lado, os profissionais dedicados ao branding e criativo, que criavam campanhas memoráveis, construíam narrativas consistentes e acreditavam no poder simbólico das marcas; de outro, os especialistas em digital e performance, focados em números, otimizações e respostas imediatas. Com o boom das multiplataformas e a ascensão dos grandes players digitais, ganhou força a ideia de um marketing exato, totalmente mensurável e replicável, mesmo que isso tenha enfraquecido a sensibilidade, a emoção e o posicionamento.
Ferramentas são capazes de gerar textos, adaptar criativos, criar vídeos e vozes, operar funis inteiros e conversar com outros sistemas de forma autônoma. Em teoria, ações inteiras poderiam ser criadas sem qualquer interferência humana, apenas consultando bases de dados. O problema é que, ao priorizar eficiência extrema, perdemos o essencial: o significado por trás da marca. Aquilo que faz com que ela seja lembrada não pelo que entrega, mas por como faz alguém se sentir.
Vivemos um colapso cultural silencioso. A personalização excessiva está nos fragmentando, e a abundância de conteúdo, nos anestesiando. Cada indivíduo vê uma realidade própria, moldada por algoritmos que otimizam a atenção. Com isso, perdemos o senso de pertencimento coletivo. E nesse ruído infinito, o branding ressurge como resposta estratégica. Não se trata de nostalgia ou romantismo criativo, mas da necessidade de reestabelecer vínculos reais e duradouros com as pessoas.
Branding é mais do que uma campanha bem-produzida ou uma identidade visual bonita. É uma construção que permite que uma marca ocupe um espaço legítimo e relevante na vida do consumidor. Não é a IA que ameaça o branding. É o uso raso e sem propósito dela que compromete a autenticidade das marcas.
Marcas que desejam continuar sendo percebidas como relevantes precisarão cultivar uma voz própria, com ponto de vista, narrativa consistente e coragem para defender o que acreditam. A IA jamais substituirá a intuição, a sensibilidade e o senso de contexto cultural que marcas humanas desenvolvem ao longo do tempo. Talvez o novo luxo esteja justamente nisso: na capacidade de ser percebido como alguém e não como algo.
Porque, no final, por mais que a tecnologia avance, continuamos sendo movidos por histórias. Sim, as ferramentas estão aí para ajudar, mas boas histórias não nascem de prompts automáticos. Elas nascem de marcas que sabem o que representam, entendem o momento em que vivem e escolhem fazer parte da vida das pessoas com propósito claro e presença emocional.

