O avanço das práticas de ESG vem redefinindo o modo como as organizações pensam seu impacto no mundo. Se antes o foco estava restrito a resultados financeiros, hoje a atenção se volta também para a forma como esses resultados são construídos. Nesse cenário, a dimensão social ganha protagonismo, uma vez que trata diretamente das pessoas que dão vida aos negócios. Entretanto, quando olhamos para modelos de jornada como a escala 966, a coerência entre discurso e prática se torna questionável.
A escala 966, marcada por nove horas de trabalho diário em seis dias consecutivos, seguidos por seis dias de descanso, é defendida por alguns setores como um equilíbrio entre esforço e recompensa. No entanto, na prática, esse modelo expõe fragilidades profundas que desafiam a lógica de sustentabilidade social. O prolongamento de horas trabalhadas em sequência intensifica a fadiga, eleva o risco de acidentes e compromete a saúde física e mental dos trabalhadores. Mais do que isso, afeta o convívio familiar e comunitário, tornando o descanso prolongado uma compensação insuficiente diante da sobrecarga acumulada.
No Brasil, a legislação trabalhista é clara ao estabelecer limites para a duração da jornada. Pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a regra é de até 8 horas diárias e 44 horas semanais, com variações possíveis mediante acordo ou convenção coletiva, mas sempre respeitando os direitos fundamentais do trabalhador. A escala 966, nesses termos, é ilegal, já que ultrapassa a duração máxima e não encontra amparo legal. Mesmo quando a contratação ocorre sob o regime de pessoa jurídica (PJ), exigir um regime análogo à escala 966 fere a legislação, porque configura desvirtuamento da relação de trabalho e afronta princípios constitucionais de proteção à dignidade humana e à saúde laboral.
No campo do ESG, essa realidade se choca com os compromissos assumidos por empresas que buscam ser vistas como responsáveis e humanas. A governança, por exemplo, é colocada à prova quando organizações insistem em adotar modelos que já se mostraram problemáticos em setores de risco elevado, como petróleo, mineração e logística. Do ponto de vista ambiental, os efeitos também não podem ser ignorados, já que colaboradores exaustos tendem a cometer erros que potencializam a ocorrência de incidentes com consequências sérias para o meio ambiente.
A discussão sobre a escala 966 evidencia a necessidade de uma abordagem mais integrada da gestão. Não basta falar em sustentabilidade se a base do trabalho humano continua marcada por práticas que fragilizam a vida e comprometem o futuro. É preciso pensar em modelos que respeitem o equilíbrio entre produtividade e bem-estar, que sejam construídos em diálogo com os trabalhadores e que reflitam o compromisso ético das organizações com a sociedade. O verdadeiro desafio do ESG está em ultrapassar a retórica e enfrentar de forma corajosa questões estruturais como esta, que colocam em jogo não apenas a eficiência das empresas, mas a própria legitimidade de sua atuação no século XXI.