No nosso último encontro, a gente mergulhou na transformação do ecossistema e nos múltiplos mercados de investimento que vêm surgindo no Brasil e na América Latina, agora o convite é, vamos aprofundar um pouco mais nossa discussão?
Nessa minha trajetória pelo ecossistema, entendi que onde está o dinheiro é só o começo, mas o verdadeiro desafio é entender como se conquista ele, por quais mãos ele é negociado e o mais importante: com quais intenções.
Nesse novo cenário, cada tipo de capital, do grant institucional (recursos financeiros não reembolsáveis) ao super angel smart money, traz uma estratégia, um nível de risco e um impacto diferente sobre o futuro de uma startup e até de um ecossistema. E é sobre essas camadas de capital que vamos debater agora, com foco na prática: o que, de fato mudou, quem está investindo de verdade, como estão estruturando suas apostas e, principalmente, o que isso significa para quem está do lado de cá, empreendendo e precisando desses investimentos para escalar e tracionar.
Investidores-anjo e redes estruturadas: o primeiro capital ainda é, quase sempre, uma aposta de gente que aposta em gente.
O investimento anjo segue sendo um dos pilares do early-stage no Brasil, não só pelo capital em si, mas pelo que ele traz junto: confiança de mercado, reputação, conexões e, muitas vezes, a primeira chancela pública da startup.
Redes como a SC Angels, em Santa Catarina, continuam ativas, mas muito mais criteriosas, porque hoje em dia, não se trata apenas de “acreditar numa ideia”, mas de apoiar empreendedores que mostram consistência, visão de escala e domínio sobre o problema que estão resolvendo.
Ao mesmo tempo, vemos o crescimento de clubes de investimento, que nada mais são do que grupos de anjos que se unem para avaliar startups em conjunto, dividir riscos e fazer aportes coletivos.
Mas o que tem chamado atenção mesmo são os SPVs (Special Purpose Vehicles), que são estruturas jurídicas criadas especificamente para organizar esses co-investimentos anjos. Eles funcionam assim: ao invés de 10 pessoas físicas entrarem individualmente na rodada de uma startup (cada uma com seus contratos, valores e condições), o grupo monta uma empresa(CNPJ ou, o tal do SPV) e é essa empresa que investe no CNPJ da startup.
O que mudou nos últimos anos é que o investidor-anjo já não age mais sozinho, ele vem cada vez mais conectado a redes, programas e plataformas, participando de rodadas em conjunto com fundos e aceleradoras, e em muitos casos, atuando como ponte entre o mundo financeiro e o mundo de quem está construindo algo do zero, o tal smart money.
Micro Venture Capital e Corporate Seed Funds: a camada que se consolidou entre o anjo e o venture capital clássico.
Se os investidores-anjos muitas vezes fazem os primeiros cheques e os fundos de Venture Capital entram nas rodadas maiores, existe uma camada que ganhou força real nos últimos dois anos: os micro VCs, que são pequenos fundos especializados em rodadas bem iniciais, como pré-seed e seed.
Esses fundos geralmente são formados por ex-founders, gestores experientes ou anjos que se profissionalizaram, e atuam com mais agilidade e menos burocracia do que os fundos tradicionais, com cheques que variam de R$ 300 mil a R$ 1 milhão e, mais do que capital, trazem uma proposta de valor próxima: contato direto, acompanhamento prático e teses mais especializadas, quase como um “smart VC” para as fases mais frágeis da operação.
Angélica NKyn, CEO da Boom Ventures, nos trás uma visão bem detalhada sobre a vivência nesse novo cenário: Na Boom Ventures, trabalhamos lado a lado com os empreendedores para ajudá-los a superar desafios e alcançar seus objetivos. Os micro VCs, como nós, apoiam startups em early stage, muitas vezes co-investindo com investidores anjos, para compartilhar riscos e maximizar o potencial de crescimento. Essa abordagem colaborativa permite que as startups recebam o apoio necessário para se desenvolver e prosperar.
Em paralelo, os Corporate Seed Funds (fundos de capital semente criados por grandes empresas) também se firmaram como parte do jogo. Eles não estão buscando apenas retorno financeiro, mas acesso a inovação, novos canais, soluções complementares ou até aquisições futuras.
Programas como o Fundo Ventura da DOMO INVEST, a Wayra (da Telefônica), o Oxigênio da Porto Seguro cumprem esse papel: selecionam startups com sinergia estratégica, fazem aportes iniciais, muitas vezes com co-investimento de fundos ou anjos, e criam uma ponte real entre o mundo corporativo e o ecossistema de inovação.
É uma camada entre o capital informal e o venture capital consolidado, que mais teve espaço ativo em 2025, e tudo indica, que será também o terreno mais disputado até 2027, com novas gestoras, SPVs profissionais e até fundos de teses regionais surgindo para atender demandas específicas (como healthtechs, edtechs, femtechs e climate techs).
VCs, CVCs e Super Angels: os grandes seguem jogando, mas a estratégia mudou!
Mesmo com os solavancos de 2022, os fundos de Venture Capital tradicionais seguiram firmes em 2025, só que com outro apetite, temos visto rodadas menores, valuations mais controlados e a diligência muito mais profunda. Grandes nomes continuam investindo com consistência, principalmente em startups com modelo de negócio validado e foco em eficiência, isso é uma sinalização de que a fase de “queimar dinheiro” ficou para trás.
Em paralelo, os Corporate Venture Capital (CVCs), antes tímido, ganharam espaço como grandes articuladores de inovação aberta no Brasil, empresas como Ambev (via HOP Ventures), Suzano (com a Suzano Ventures), em formatos de Hubs como CUBO e INOVABRA, já não apenas observam startups, mas investem ativamente em soluções que complementam sua cadeia, digitalizam operações ou abrem mercados. As empresas entenderam que fazer parte do ecossistema pode ser mais inteligente do que tentar controlá-lo.
E os Super Angels?
Seguem firmes, só que muito mais organizados, normalmente são empreendedores que já tiveram exits, executivos de grandes empresas ou investidores com cheques maiores (a partir de R$ 300 mil) e um nível de envolvimento mais direto nas startups, o importante “smart money” que mencionamos bastante. Esses atores estão cada vez mais presentes nos clubes estruturados, co-investindo via SPVs, e muitas vezes liderando rodadas em conjunto com micro VCs ou CVCs e ocupam aquele espaço híbrido: não são “tão institucionais” mas são tão estratégicos quanto os investidores-anjo tradicionais.
Angélica NKyn, como investidora anjo bem experiente, pontua essa nova realidade também: Como super anjo que investe em early stage e faz follow-on até Série A/B, busco startups com potencial de crescimento explosivo e equipes apaixonadas por inovação. Acredito que a combinação de capital e apoio estratégico é fundamental para o sucesso das startups. Se antes eles eram discretos,muitas vezes anônimos, aparecem cada vez mais em captables atuando como ponte entre o capital inteligente e as conexões que uma startup precisa para crescer com estrutura.
Se antes eles eram discretos, muitas vezes anônimos, aparecem cada vez mais em captables atuando como ponte entre o capital inteligente e as conexões que uma startup precisa para crescer com estrutura.
Essa é a grande virada: o capital deixou de ser só recurso e passou a ser também reputação, estratégia e presença de palco. Os bastidores viraram arena e os investidores se tornaram também curadores, articuladores e, muitas vezes, cofundadores invisíveis.
E nesse novo jogo, quem está empreendendo precisa dominar muito mais do que pitch e produto, precisa obrigatoriamente compreender as ferramentas jurídicas, os contratos híbridos e os caminhos que podem acelerar ou travar uma rodada inteira.
E é isso que vamos destrinchar no nosso próximo encontro: os mecanismos que estão moldando os bastidores das negociações, do SAFE ao Venture Debt, dos Launchpads às DAOs. Porque dominar a linguagem dos investimentos é só metade do caminho. A outra metade é entender o que cada termo entrega de vantagem, e o que pode tirar de você.