Sabe aquele frio na barriga quando surge uma tecnologia nova? Eu adoro essa sensação – sou dessas que, antes de todo mundo, já está fuçando, testando, imaginando mil usos. Mas quanto mais o tempo passa, mais percebo: não basta ser entusiasta. A gente precisa ser crítico também. Principalmente agora, quando a Inteligência Artificial está batendo na porta de tudo, do trabalho ao café da manhã.
Tem dias que me pergunto: será que estamos prontos para essa avalanche? Ou estamos apenas ficando mais cansados, mais automáticos, delegando o pensamento para máquinas e algoritmos?
“Não basta aprender a usar a IA. Precisamos aprender a pensar – de verdade – antes de automatizar.”
Os números assustam. O último relatório da OCDE mostra que 27% dos jovens brasileiros não terminam o ensino médio. Isso significa que, antes mesmo da IA se popularizar, já estamos enfrentando dificuldades em leitura, análise, síntese. Pilares básicos, que sustentam qualquer pensamento crítico – e que são ainda mais urgentes agora, quando o mundo nos empurra para uma realidade cada vez mais automatizada.
A sensação de cansaço é coletiva. Byung-Chul Han fala sobre isso: vivemos uma sociedade do cansaço, da performance incessante, do excesso de informação. E, no meio de tanta correria, acabamos perdendo o tempo do questionamento, do “e se?”, do “por quê?”. O resultado? Um risco enorme de virar apenas consumidores de respostas prontas, sem espaço para dúvida, sem fôlego para a crítica.
“Estamos terceirizando até a nossa curiosidade. E isso é perigoso demais.”
Olhando para frente, o desafio fica ainda mais claro. O novo PISA 2029 quer medir a alfabetização para IA, mas vai além: propõe que precisamos reaprender a perguntar, entender como as respostas são geradas, filtrar o que faz sentido para nossa vida. Não dá mais para educar só para o uso da ferramenta; é preciso educar para o pensamento crítico, para o diálogo, para o discernimento.
Eu vejo esperança nisso tudo. Porque, no fundo, a grande revolução talvez não seja tecnológica – seja humana. Seja essa capacidade de retomar o protagonismo do pensamento, de transformar cada interação com a máquina em uma oportunidade de aprender algo novo sobre nós mesmos.
“O futuro vai exigir de nós uma competência antiga: saber perguntar.”
Não tem volta. O mundo está cada vez mais rápido, as automações vieram para ficar e a IA vai atravessar (e transformar) todos os campos. Mas isso não significa que estamos condenados à superficialidade. Significa que temos a chance – e a responsabilidade – de fazer escolhas conscientes, de ensinar (e aprender) a pensar, a analisar, a duvidar.
Eu sigo curiosa. Sigo inquieta. Sigo acreditando que a tecnologia é incrível, sim, mas que o humano — com suas perguntas, dúvidas e descobertas — ainda é insubstituível. Que a luz no fim do túnel está justamente aí: em reaprender a perguntar, em não abrir mão da nossa autonomia, em fazer das máquinas aliadas e não substitutas do nosso pensamento.
No fim das contas, somos nós – com nossas perguntas – que movemos o mundo.
Referências
– OCDE (2024). Education at a Glance 2024 – Brazil Country Note. Disponível em: https://www.oecd.org/education/education-at-a-glance.
– PISA 2029: Media and Artificial Intelligence Literacy. Disponível em: https://www.oecd.org/en/about/projects/pisa-2029-media-and-artificial-intelligence-literacy.html.
– Byung-Chul Han (2015). A Sociedade do Cansaço. Editora Vozes. Resumo em português: https://walmarandrade.com.br/sociedade-do-cansaco.