É preciso aprender! Afinal, a capacidade de aprender é mais importante do que aquilo que já se sabe. Essa é a aposta dos líderes entrevistados em pesquisas sobre futuro do trabalho, como o relatório Global Human Capital Trends, da Deloitte, que destaca a agilidade de aprendizagem (learning agility) como uma das competências mais críticas para sustentar a liderança em contextos complexos, especialmente na escolha de talentos estratégicos até 2030. Para a especialista em desenvolvimento profissional e mudanças organizacionais, Susana Azevedo, essa mudança de chave está apenas começando. “Adaptar-se é, essencialmente, aprender de um novo jeito aquilo que já sabíamos fazer”.
Susana é sócia da Quantum Development, uma consultoria com foco em empresas familiares de médio porte e executivos de grandes empresas, que ajuda organizações a transformar suas visões e planos em realidade, conectando diferentes elementos da estrutura empresarial. Para ela, o conceito de learning agility é a habilidade de aprender rápido, de forma intencional e com abertura para o desconforto. “No passado, as mudanças aconteciam em ritmo mais lento. Hoje, a quantidade de transformações simultâneas exige que a gente desenvolva um verdadeiro músculo de aprendizagem. Isso envolve curiosidade, espírito crítico e a capacidade de integrar o que é novo de forma rápida e consciente”.
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Carreira fora da caixinha
Susana relembra a lógica taylorista que, por muito tempo, guiou a forma de pensar a carreira, onde cada um seria responsável apenas pela sua parte, sem necessidade de compreender o todo. “O próprio Taylor dizia assim: cada pessoa só tem que saber a sua parte e só alguns iluminados, os gestores, é que têm que saber do todo”.
Essa visão foi desenvolvida por Frederick Winslow Taylor, engenheiro mecânico norte-americano considerado o pai da administração científica. Ao padronizar tarefas e separar planejamento de execução, o taylorismo moldou um modelo de carreira baseado em obediência, previsibilidade e eficiência operacional.
“Ainda vivemos sob a ideia de que cada pessoa só precisa saber da sua parte, como se houvesse um gestor iluminado que vai cuidar de tudo. Isso não existe mais”.
Sócia da Quantum Development, Susana Azevedo.
Susana lembra que durante muito tempo, a gestão de carreira era ‘terceirizada’: o chefe decidia o que você deveria aprender, quais cursos fazer, para onde sua evolução iria. “Agora é diferente. O convite é sair desse lugar e abrir fronteiras. A pessoa precisa olhar para o seu entorno, entender o que está rolando no ecossistema e adaptar a rota”, destaca Susana.
Para ilustrar a importância da adaptação, Susana recorre a uma analogia poderosa: a natação em águas abertas. “Quando eu treino na piscina, tudo está sob controle: temperatura, pressão, voltas. Mas no mar, tem correnteza, vento, outros nadadores. Se eu não levantar a cabeça para me orientar, posso acabar muito longe do destino”.
Ela compara esse desafio com o ambiente organizacional atual. “A gente tem que desenvolver espaços adaptativos, com ajustes finos na rota. Respirar fundo, mudar o lado que respira, se reposicionar com o que aparece no caminho”. Mais do que saber onde se quer chegar, é preciso manter a clareza sobre o que se está buscando. “Se você não sabe seu destino, qualquer vento serve. Por isso, propósito e direção são fundamentais para que a aprendizagem seja intencional”, destaca Susana.
Entre as novas competências que ganham relevância está o strategic foresight, ou a capacidade de antever futuros possíveis e tomar decisões no presente com base neles. “Não basta mais olhar para o próximo trimestre. Os líderes precisam trabalhar com três horizontes: o agora, o futuro provável e as etapas intermediárias”, aponta Susana.
Sobre a inteligência artificial (IA), Susana é direta. “A pergunta não é o que a IA vai fazer por mim, mas o que eu vou fazer com a IA. Quem ficar esperando será impactado pelas escolhas de quem já está agindo com ela”. Para ela, entender IA não é mais opcional. É como falar inglês no mundo dos negócios. “Não quer dizer que você precisa ser especialista, mas precisa entender o básico para não ser refém”.
Governança adaptativa começa com alinhamento
Segundo Susana, a construção de um ambiente organizacional mais adaptativo, que favoreça o aprendizado contínuo, passa diretamente por uma governança mais consciente e conectada ao contexto. “Tudo começa com alinhamento. Antes de decidir o que fazer, é preciso entender: estamos enxergando o mesmo mar? Temos clareza do cenário, dos riscos, das oportunidades? Porque, se cada liderança enxerga um pedaço diferente, não há como avançar”.
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Ela destaca que muitas empresas, especialmente as familiares, ainda operam com baixa maturidade nesse aspecto. Faltam conselhos estruturados, diálogo entre sócios e gestores, e clareza sobre objetivos em diferentes horizontes de tempo, o que dificulta a tomada de decisão em contextos de incerteza. “É diferente tomar decisões em mar calmo e em mar revolto. A governança precisa considerar o contexto. E isso exige conversar sobre o que precisa ser conversado, mesmo que seja desconfortável”.
Mais do que buscar respostas, Susana entende que a função da governança é criar rituais de escuta e análise crítica, capazes de sustentar decisões mais estratégicas, mesmo com as variáveis em constante mutação. “Eu confio na minha equipe, mas sei que não tenho todas as respostas. Governar, nesse novo cenário, é também saber aprender junto”.
Liderança e o desafio das empresas familiares
Susana também destaca o papel dos líderes como promotores de ambientes de aprendizagem. “Se o líder só cobra resultado, mas não cria espaço para pensar, explorar e errar, o time vai ter medo de inovar”. Segundo ela, isso é especialmente crítico em contextos de inovação, onde o erro é parte natural do processo. “Existe um paradoxo: todo mundo quer inovação, mas ninguém quer errar. Não existe uma coisa sem a outra”.
Nas empresas familiares, Susana entende que o desafio é ainda maior. “Além da constelação organizacional, há a constelação familiar, com relações emocionais não resolvidas que interferem nas decisões do negócio. Já vimos casos em que o conflito entre irmãos se traduzia em embates entre áreas inteiras da empresa”.
Por fim, Susana defende que a agilidade de aprendizagem é também uma postura de humildade e escuta. “A maioria das pessoas acorda querendo fazer o melhor. Quando discordamos, vale tentar entender a intenção positiva do outro”. Ela afirma que, em tempos polarizados, essa escuta ativa e curiosa se torna ainda mais relevante. “As pessoas estão assustadas, então se refugiam em posições extremas. Precisamos reaprender a discutir ideias com firmeza, mas com respeito, sem cair na hostilidade”. Ela fecha com uma provocação. “Não são os mais fortes que sobrevivem, nem os mais inteligentes. São os que melhor se adaptam”.
Mais do que uma soft skill da moda, a agilidade de aprendizagem é uma mentalidade de sobrevivência, e de evolução, em um mundo em que saber já não basta. É preciso aprender!