Ser mulher no Brasil é viver com medo.
Não um medo abstrato, mas cotidiano, íntimo, sufocante. Nenhuma de nós anda na rua sentindo-se segura. Pegar um carro de aplicativo exige estratégia: confirmar a placa várias vezes, verificar se a porta está destravada, manter o celular em mãos e, quase sempre, compartilhar a localização com alguém de confiança, como se disséssemos: “se algo acontecer comigo, é aqui que você me encontra.”
Até correr sozinha ao ar livre, algo que deveria representar liberdade, se transforma em sinônimo de perigo.
A escolha do horário, da roupa, do trajeto e até da velocidade está atravessada pelo medo do que pode acontecer.
Esse tipo de medo não se discute em rodas de conversa. Ele se carrega no corpo.
Está no passo acelerado à noite, na chave entre os dedos, na roupa pensada duas vezes, no receio de responder a um comentário invasivo.
É um medo que só as mulheres conhecem de verdade.
E ele é sustentado por uma realidade brutal.
Uma mulher é vítima de feminicídio a cada seis horas no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
E é justamente por isso que tantos homens não conseguem, e talvez nunca consigam, compreender o que significa viver nesse estado permanente de alerta.
Mas este não é um texto sobre medo. É sobre virada.
Sobre o momento em que a equidade deixa de ser discurso e passa a ser estratégia.
Simone de Beauvoir já alertava que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados.
O Brasil, mais uma vez, confirma a frase.
Ainda assim, crises também revelam caminhos.
E o que se impõe agora exige urgência, coragem e uma revisão honesta sobre quem ocupa e decide nos lugares de poder.
Equidade não é pauta lateral. Não é modismo. Nem conveniência.
É inteligência organizacional.
E também uma ferramenta concreta de enfrentamento à violência.
Sociedades profundamente desiguais produzem mais violência.
De acordo com o mesmo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a maioria dos feminicídios ocorre dentro de casa, cometidos por companheiros ou ex-companheiros.
Organizações que concentram poder e silenciam mulheres contribuem para normalizar essa lógica.
Empresas não são neutras nesse processo.
Todos os dias, escolhem entre reproduzir ou transformar estruturas.
Quando mulheres ocupam posições de liderança, tudo muda.
Mudam as decisões. Mudam as prioridades. Mudam os parâmetros éticos.
E, sobretudo, muda a forma como as pessoas são tratadas.
Não porque mulheres sejam melhores, mas porque são essenciais para que qualquer organização funcione de forma completa.
A ausência feminina nos espaços de decisão não é neutra.
É uma perda ativa de visão, de inteligência coletiva e de futuro.
Liderança feminina nasce da competência, mas também da experiência.
Da leitura de riscos invisíveis.
Da escuta aguçada.
Da compreensão precoce da vulnerabilidade.
De quem aprendeu a sobreviver em estruturas que nunca foram feitas para acolher.
A presença feminina na liderança não é fragilidade.
É força, é visão, é futuro.
Os acontecimentos recentes não deveriam gerar apenas indignação passageira.
Deveriam provocar movimento.
Porque equidade não se constrói com frases prontas, campanhas pontuais ou comitês simbólicos.
Ela se constrói com poder real.
Com mulheres ocupando cargos estratégicos, liderando como CEO, CFO, CMO e participando das decisões que moldam empresas, mercados e comportamentos sociais.
Com políticas claras, igualdade salarial, tolerância zero ao assédio e mecanismos de escuta que funcionam de verdade.
Desde 2006, a Lei Maria da Penha representa um marco legal importante no combate à violência doméstica.
E desde 2015, o feminicídio é considerado crime hediondo.
A legislação avança.
Mas a cultura resiste.
E é aí que o setor privado pode, e deve, agir.
Diversidade não é ornamento. É fundamento.
E maturidade cultural não se mede pelo que se comunica, mas pelo que se pratica.
Mulheres em primeira pessoa é sobre existir sem pedir permissão.
Sobre liderar sem ser exceção.
Sobre transformar estruturas que insistem em nos excluir.
É sobre construir um país e um mercado em que o medo deixe de ser rotina e a equidade passe a ser regra.
Escrevo este artigo não apenas como mulher, mas como alguém que ocupa uma posição de liderança em uma organização e que se compromete publicamente com a transformação cultural que precisamos viver.
Como ativista da pauta feminista e profissional da comunicação, acredito que silenciar diante do que está acontecendo não é uma opção.Então, escolho me posicionar. Porque essa pauta é urgente, coletiva e precisa ser colocada em prática.
E, no fim, a pergunta que realmente importa permanece:
O que a sua empresa está fazendo, de forma concreta, agora, para promover a igualdade de gênero e o combate à violência contra mulheres?
Referências utilizadas
*Fórum Brasileiro de Segurança Pública – Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023.
*Monitor da Violência, G1 – https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/.
*Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha.
*Lei nº 13.104/2015 – Lei do Feminicídio.

