Em palestra realizada na última quinta-feira, 4, durante o AI Day 2025, realizado no Instituto Caldeira, em Porto Alegre/RS, o darwinista digital e professor da Fiap, Carlos Piazza propôs um debate sobre o presente e uma virada urgente no modo como imaginamos o futuro. Em uma atividade provocadora, Piazza percorreu emoções coletivas, paradoxos tecnológicos e dilemas geracionais para mostrar como a ansiedade que domina a sociedade pode ser transformada em potência criativa. Entre a medo e entusiasmo, ele aponta um caminho: a regeneração, capaz de deslocar a tecnologia do centro e recolocar o humano no eixo das decisões.
“Vivemos buscando uma felicidade idealizada, guiados por uma lógica de hiperconsumo e algoritmos que capturam cada gesto nosso”, afirmou. O resultado, segundo ele, é uma geração inteira entregue ao vazio, conceito explorado por Gilles Lipovetsky para explicar a sensação de aceleração, instabilidade e angústia que marca a hipermodernidade.
Mas o diagnóstico de Piazza vai além do retrato social: é um convite à autocrítica e à reinvenção. Ao analisar o comportamento digital contemporâneo, Piazza parte de uma cena familiar: o scroll infinito ao fim do dia, em busca de algo que nem sabemos nomear. “Chamam isso de hedonismo. Mas esquecemos da Eudaimonia, a felicidade que nasce do propósito”, provocou.
A Pandemia de Covid-19, lembra ele, apenas acelerou um fenômeno que já estava em curso: a dissolução das fronteiras entre casa, trabalho e vida interna. “Descobrimos que nossas casas eram só cenários, sem a funcionalidade emocional que acreditávamos existir. E o home office cimentou ainda mais o individualismo”.
Nesse ambiente, explica, sintomas como perda de foco, crises de ansiedade, sensação de ‘tela azul’ e colapsos cognitivos se tornaram comuns. Nas redes sociais, proliferam expressões extremas de narcisismo digital e distorção corporal. O corpo, mediado por filtros e promessas estéticas, torna-se uma imagem disforme, e cada vez mais distante de quem o habita. “O que vemos é gente tentando parecer um cavalo-marinho”, ironizou, referindo-se aos exageros de intervenções estéticas. “Mas por trás disso existe algo muito sério: o apagamento do eu”.
Propósito nasce da indignação
Piazza desmonta a busca performativa pelo ‘propósito’, frequentemente reduzido a slogans corporativos ou frases motivacionais. Para ele, o propósito verdadeiro nasce de algo bem mais profundo e incômodo: a indignação. “Seu propósito mora na sua pior indignação, e você finge que não ouve”, afirmou. É essa combinação entre inquietação e sentido que separa o indivíduo comum do arquétipo do herói, descrito por Joseph Campbell. Mas a geração atual, destaca Piazza, sofre de futurofobia: medo de imaginar, projetar ou até mesmo desejar o futuro.
Se o presente é marcado por incertezas e esgotamento, o futuro, argumenta Piazza, precisa ser encarado como obra criativa. “Somos os únicos animais capazes de imaginar coisas que nunca aconteceram. Isso se chama ficção. E agora ela é uma competência de sobrevivência”.
Ele diferencia quatro tipos de futuros: possíveis (o que pode acontecer), plausíveis (o que provavelmente acontecerá), prováveis (o que tende a ocorrer com os sinais atuais) e os preferíveis, os que desejamos e estamos dispostos a construir.
Só estes últimos, diz Piazza, merecem nossa energia criativa. Para isso, recomenda o uso de metodologias de futurismo estratégico que combinam insight (aprendizado do passado) com foresight (visão de futuro). E encerra citando Racionais MCs: “Não espere o futuro mudar sua vida, porque o futuro é tão somente a consequência do seu presente”.


