No palco do The Developer’s Conference (TDC) São Paulo 2025, o Chief Scienti da TDS Company, Silvio Meira, chamou a atenção, na última quinta-feira, 18, para um ponto sensível da corrida global em torno da inteligência artificial: embora quase todas as empresas já declarem utilizar IA em algum processo, poucas conseguem extrair valor real dessa tecnologia. “É surpreendente haver 5% de sucesso”, afirmou, em referência a estudos internacionais que mostram que a imensa maioria das iniciativas em IA falham em gerar resultados mensuráveis.
Meira destacou que a expectativa de retorno rápido contrasta com o tempo histórico necessário para a maturação de tecnologias de propósito geral. “O primeiro carro que realmente você podia botar na rua levou 30 anos para ficar pronto. Querem que a inteligência artificial dê retorno em três anos”, disse, reforçando que estamos em uma fase de aprendizado, de pilotos e erros, não de ganhos consistentes.
Para o cientista, a ansiedade por retorno imediato e a busca por “cases” de sucesso podem ser os maiores inimigos das empresas. “Não há cases prontos porque ninguém fez ainda. O maior risco é não correr risco”, afirmou, defendendo que líderes encarem a IA como um processo experimental, no qual falhas e correções rápidas são parte natural da curva de aprendizado.
A conclusão, para Meira, é que a inteligência artificial não exige uma “estratégia de IA”, mas uma estratégia de negócios que incorpore IA de forma estrutural. “Rotinas transformaram pessoas em algoritmos. Esses ‘algoritmos humanos’ serão substituídos. O que resta é aprender a orquestrar inteligências, humana, social e artificial, em novos modelos de trabalho e decisão”.
Esse descompasso se traduz em investimentos vultosos, mas pouco retorno estratégico. Dados apresentados por Meira apontam que até 98% das companhias já testam ou implementam soluções de IA, mas apenas 26% escalam projetos com impacto real nos negócios. “Estamos comprando IA como quem compra um Ferrari para uma rede de lanchonetes de bairro. Não faz sentido”, ironizou o cientista.
No debate com executivos no fórum do evento, ele introduziu também o conceito de MCP (Model Control Protocol), que descreveu como o “TCP/IP da inteligência artificial”. Para Meira, a maior parte das empresas sequer entende esse novo protocolo emergente, o que limita a capacidade de transformar adoção em valor. “Zero empresas aqui viraram MCP driven”, disse, sugerindo que ainda há um longo caminho até que organizações dominem a infraestrutura de IA como parte central de sua estratégia.
O papel da liderança na transição algorítmica
Se o retorno ainda é baixo, a responsabilidade pela mudança está nas mãos da liderança. “A primeira competência que os executivos têm que passar a ter para liderar essa transformação é pensar. Pensar envolve ler, entender fundamentos, experimentar hipóteses. Ou isso, ou morremos”, afirmou Meira no painel de perguntas abertas.
Segundo ele, não basta delegar a tarefa de implementação à área de tecnologia. A próxima etapa da gestão corporativa será escrever, ou supervisionar diretamente, os algoritmos que tomarão decisões dentro das empresas. “Escrever algoritmos de decisão não é fazer reunião com fornecedores. É compreender ecossistemas, competitividade e contexto estratégico”, disse, em um recado direto a CEOs e conselhos.
Esse movimento também redefine os times de tecnologia. Em sua visão, o futuro aponta para grupos menores, altamente especializados e organizados em torno de problemas concretos. “É preciso unificar tecnologia, inovação, marketing e estratégia no mesmo time. O modelo de empresas com TI isolada não tem futuro”, afirmou.
A crítica se estende ao próprio processo de formação. Meira voltou a defender a substituição da lógica de aulas expositivas e provas por metodologias como problem-based learning e challenge-based learning. “Aplicar provas resolve apenas a pergunta. O que precisamos é formar gente capaz de resolver problemas reais, em equipe, em rede”, disse.