A empresa não quer saber como você está: ela quer seu número na última linha do DRE

Lily Marchisio - Especialista em gestão de projetos com foco em inovação, impacto social e empreendedorismo.

Não existe emprego certo ou errado. Não existe área certa ou errada.Não existe carreira certa ou errada.

O que existe é a sensação, quase sempre silenciosa, de que algo está se apagando dentro de você.

Foi essa frase da Escola Conquer que me fez parar, refletir e, principalmente, reconhecer um padrão que tenho vivenciado em inúmeras mentorias com lideranças de negócios, tanto da velha, quanto da nova economia.

São mentorias que começam com a intenção de revisar modelos de negócio e terminam, quase inevitavelmente, em conversas profundas sobre propósito, saúde mental, exaustão e dúvidas existenciais. Conversas que revelam que o problema, muitas vezes, não está no modelo de negócio, mas na lógica invisível que guia as decisões, pressiona resultados e descarta pessoas como peças de uma engrenagem.

Eu me recordo das minhas aulas presenciais na pós-graduação. Antes de começar, eu sempre perguntava:
Tem alguém aqui que trabalha na Coca-Cola?
E completava:
Se sim, pode ir pra casa descansar, você já venceu na vida.

Era uma provocação divertida, mas carregada de uma crítica ácida. Porque por trás desse riso, está a realidade cruel de um mundo corporativo que romantiza a alta performance e glamouriza o burnout. Um mundo em que a luta para atingir metas deixou de ser desafiadora e se transformou em um filme de terror psicológico.

Hoje, mesmo em startups que vendem cultura cool e happy hours ilimitados, há uma pressão silenciosa para performar sem falhas, entregar sem pausas e superar o humano que existe em cada um de nós.

E no fim do dia, o conselho não quer saber como você está. Não quer saber o quanto você está se dedicando, o que você está abrindo mão, o que está te custando. Ele quer apenas os números expressos na última linha do DRE.

Mas… quem não quer resultados? A questão não é essa. O problema é o preço que se paga por eles.

Quando uma cultura ignora o impacto humano das metas inalcançáveis, dos prazos desumanos, das reuniões sem propósito e das cobranças silenciosas por disponibilidade 24/7, o resultado é um só: um exército de profissionais adoecidos.

O rastro disso? Ansiedade, burnout, uso crescente de medicação para conseguir dormir, trabalhar, levantar da cama, relações pessoais esfareladas, autoconfiança reduzida a pó.

O profissional que ontem era destaque, hoje é apenas mais um número cortado na reestruturação.
Descartado como uma casca de banana: serviu, foi útil, mas agora já não é mais necessário. Em seu lugar, entra alguém mais novo, mais barato, com “mais gás”.

É nesse contexto que, finalmente, surge uma pequena luz no fim do túnel: a obrigatoriedade da NR-1, que inclui a avaliação de riscos psicossociais como parte da gestão de saúde e segurança no trabalho.

Sim, tivemos que ter uma norma legal para obrigar empresas a cuidarem da saúde mental de seus colaboradores.
Sim, ainda é pouco — mas é um começo. Porque se dependêssemos apenas da sensibilidade organizacional, muita gente seguiria sendo sugada até o limite, sem direito sequer ao reconhecimento de que algo não vai bem.

A NR-1 não é apenas uma exigência legal. Ela é, na prática, um lembrete de que o ambiente de trabalho é, sim, responsável pelo sofrimento psíquico que gera. Que metas abusivas, lideranças tóxicas e jornadas sem pausas não são “falta de resiliência”, mas riscos reais que precisam ser prevenidos e gerenciados.

O que me assusta e, me entristece, é ver pessoas brilhantes, criativas, comprometidas, sendo reduzidas a indicadores de desempenho.
Pessoas que, ao perceberem que não conseguirão bater a meta, não dormem, não comem, não vivem.
Pessoas que sentem vergonha de pedir ajuda porque acreditam que fracassaram, quando, na verdade, foram deixadas sozinhas em um sistema que só valoriza quem entrega números, não quem carrega alma.

Talvez seja hora de revisar o que, de fato, estamos medindo nas empresas. Talvez seja hora de perguntar com mais frequência: Isso está saudável? Está sustentável? Está humano?

Se o trabalho que você faz todos os dias está te adoecendo, te apagando, te distanciando da sua essência… talvez não seja você que está no lugar errado. Talvez seja o sistema inteiro que precisa ser revisto.

Você não é um número na planilha. Você é uma pessoa, com talento, com história, com vida. E nenhuma meta vale a sua saúde.

E aí? Até quando você vai tomar medicação para continuar suportando uma rotina que te adoece todos os dias? Até quando vai anestesiar sua essência para caber em um lugar que só quer o seu desempenho, mas nunca te pergunta como você está de verdade?

Chega um momento em que a conta não fecha. Nem no DRE, nem na alma.

É preciso coragem para olhar para si, reconhecer os limites e entender que saúde mental não é luxo, é sobrevivência. É preciso mais do que um crachá, um salário ou um bônus no fim do trimestre. É preciso sentido, é preciso vida, é preciso respeito por quem você é além do que você entrega.

Talvez seja hora de mudar, de ambiente, de área, de ritmo, de conversa, ou quem sabe, de prioridade.

Porque se não fizer sentido, não sustenta e, se está te adoecendo, não é sucesso. É só mais um ciclo que precisa, urgentemente, ser analisado e se tiver coragem, encerrado.

Por Lily Marchisio Especialista em gestão de projetos com foco em inovação, impacto social e empreendedorismo.
Especialista em gestão de projetos com foco em inovação, impacto social e empreendedorismo. Apaixonada por conectar pessoas, ideias e propósito, lidera iniciativas que promovem transformação real em comunidades e ecossistemas criativos. Atua como organizadora do Techstars Startup Weekend e coordenadora de projetos com forte atuação em diversidade, educação e tecnologia, impulsionando causas como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), inclusão e liderança feminina.
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