A cultura do cuidado

Juliana Lazuta - Head de Cultura na Agência Bistrô

Cuidado não é tendência: é política cotidiana

O bem-estar no trabalho não é tendência. É direito.
É política.
É prática ética cotidiana.

Segundo a International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com sintomas de estresse crônico, ansiedade ou esgotamento. Esses dados revelam uma realidade alarmante: o sofrimento emocional virou parte da rotina de quem trabalha. E o silêncio sobre isso, também.

Falar sobre bem-estar nas empresas se tornou cada vez mais comum. E sejamos honestos: ainda bem. Saúde mental, escuta, pertencimento, pausas conscientes e vínculos reais começaram a ocupar as pautas estratégicas. Mas quando algo vira tendência, corre o risco de ser engessado em processos. E, nesse ponto, é preciso garantir que não se transforme apenas em mais um checklist corporativo.

Sim, políticas são fundamentais. Sobretudo em um país que adoece no trabalho todos os dias. Mas políticas, sem prática, se esvaziam. E cuidar das pessoas não pode ser um evento trimestral com slogans e datas comemorativas.

Cuidado não é entrega. É presença.
Mais do que estar em campanhas, é estar no cotidiano.
É criar ambientes onde as pessoas possam, de fato, se sentir bem.

Escutar é sustentar a existência do outro

A série Ruptura (Severance, Apple TV+) propõe uma pergunta inquietante: e se fosse possível, de fato, separar quem somos dentro e fora do trabalho? Na história, essa divisão acontece por meio de um procedimento cirúrgico. O “eu do expediente” não lembra da vida pessoal. O “eu de fora” não faz ideia do que acontece entre crachás e reuniões.

Uma ficção exagerada? Talvez. Mas que reflete um dilema real: quantas vezes é preciso ocultar partes de si para atender expectativas? Quantas vezes se confunde leveza com silêncio?

Na Agência Bistrô, temos buscado, com escuta ativa e responsabilidade, construir um caminho diferente. Nosso princípio é simples: somos a agência que se importa, porque importar-se, para nós, é verbo de ação.

Sabemos que bem-estar é um processo contínuo. Na última pesquisa de clima, 100% das pessoas disseram ter orgulho de contar onde trabalham. Para nós, esse dado reforça que estamos no caminho certo, mas também nos compromete com consistência.

Cuidar acontece quando ajustamos processos. Quando mudamos o ritmo de uma entrega. Quando abrimos uma roda de conversa sem ter todas as respostas. Quando escutamos o que incomoda. É escolher o vínculo, e não apenas o desempenho.

Inspirado em reflexões do psicanalista Christian Dunker, escutar alguém é permitir que essa pessoa exista naquilo que ela tem de mais singular, inclusive em suas contradições. Escutar não é para acelerar processos. É para sustentar presença. Escutar não é apenas uma habilidade de liderança. É um gesto ético. É sustentar a existência do outro sem tentar corrigir, suavizar ou ignorar.

Bem-estar como compromisso: da lei à cultura

E esse cuidado não é mais opcional. É política pública.

Desde 2022, a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) exige que todas as empresas brasileiras implementem o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). E isso inclui os riscos psicossociais: estresse crônico, esgotamento, assédio, insegurança emocional.

É um avanço histórico. Reconhecer o sofrimento emocional como risco ocupacional é proteger vidas. É garantir que todas as pessoas tenham o direito de trabalhar com dignidade, segurança e saúde integral. E que essa responsabilidade seja compartilhada entre lideranças, RHs, colegas e cultura.

Empresas B ao redor do mundo mostram que isso é possível. A Patagonia, por exemplo, oferece licenças generosas, apoio a mães e pais, e ambientes com alta flexibilidade. A Eileen Fisher, marca de moda com impacto social, adota liderança distribuída e promove espaços reais de escuta vulnerável.

O ponto em comum? Essas empresas tratam o bem-estar como parte do core do negócio. Não como ação de marketing.

Se você quer começar, comece pelo simples, mas verdadeiro.
Escuta real, não institucional.
Esteja disponível para ouvir fora dos formulários.
No café, nos encontros com o time, no “tudo bem?” que é feito com tempo.
Dê espaço para o incômodo.

Permita que desconfortos venham à tona. Escutá-los não é ameaça.
É ponto de partida.
Alinhe discurso e processo.

Se falamos em equilíbrio, os prazos respeitam isso?
Se falamos em autonomia, ela está de fato acontecendo?

Esses pequenos ajustes criam mais vínculo do que qualquer diretriz institucional. O verdadeiro bem-estar não exige leveza constante.

Exige coragem cultural. Coragem para rever processos. Para sustentar escuta.
Para garantir coerência entre o que se diz e o que se faz.

A cultura do cuidado não mora nos códigos. Mora nos gestos.
No que é permitido.
E no que é sustentado, dia após dia.

Referências

ISMA-BR – International Stress Management Association no Brasil. Estresse no trabalho atinge 30% dos brasileiros. Disponível em: https://www.ismabrasil.com.br. Acesso em: jul. 2025.

Apple TV+. Severance (Ruptura). Série original. Disponível em: https://tv.apple.com/br/show/severance/. Acesso em: jul. 2025.

DUNKER, Christian. Saúde mental no trabalho e escuta clínica. Instituto da Família, 2021. Disponível em: https://www.institutodafamilia.com.br/wp-content/uploads/2021/07/Christian-Dunker-Saude- Mental.pdf. Acesso em: jul. 2025.

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora nº 1 – Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/seguranca-e-saude-no-trabalho/norm atizacao/normas-regulamentadoras/norma-regulamentadora-n-1. Acesso em: jul. 2025.

PATAGONIA. Employee benefits. Disponível em: https://www.patagonia.com/our-footprint/employee-benefits.html. Acesso em: jul. 2025.

EILEEN FISHER. Social Consciousness. Disponível em: https://www.eileenfisher.com/social-consciousness/. Acesso em: jul. 2025.

Por Juliana Lazuta Head de Cultura na Agência Bistrô
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Head de Cultura e Atendimento com mais de 10 anos de experiência em comunicação, especializada em transformar negócios a partir da cultura organizacional. Multiplicadora do Sistema B e defensora de práticas ESG, acredita que uma cultura sólida e alinhada com propósito é a chave para a inovação e o sucesso dos negócios. Compartilha como empresas podem criar ambientes mais humanos e impactantes através da cultura.
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