“Você vai mesmo começar tudo isso… agora?”
A pergunta não vinha da banca, nem da mentora. Era minha.
Surgia sempre que o problema tinha que ser validado, pivotava mais uma ideia ou me sentava, sozinha, para repensar tudo aquilo que, até o dia anterior, parecia promissor. E não era o medo do fracasso que me travava, era o medo mais profundo, mais íntimo e difícil de encarar: o de ser desacreditada.
Comecei minha startup dentro de um programa de aceleração aos 50 anos de idade, imersa em um ambiente construído para a velocidade, o otimismo e a juventude, onde a maioria dos participantes carregava menos tempo de vida, mas mais familiaridade com termos, métricas e modelos de negócio do ecossistema. Eu cheguei com bagagem, sim, mas também com inseguranças, daquelas que não cabem em um canvas e não são facilmente tratadas com mentorias.
Eu não sabia se me encaixava no estereótipo da fundadora de startup. E, sendo honesta, não me encaixava mesmo. Mas, com o tempo, entendi que essa era justamente a minha vantagem. Não fui ali para repetir fórmulas ou ocupar o espaço que esperavam de todos, fui para criar algo a partir da minha perspectiva, do meu ritmo, da minha história, e principalmente do que acredito. Ainda assim, assumir isso me exigiu coragem e a superação de um processo silencioso de autossabotagem, que muitas vezes se disfarçava de prudência.
Na fase de ideação, precisei pivotar duas vezes. E quem já viveu isso sabe que não se trata apenas de mudar a proposta de valor, mas de revisar a si mesma dentro da proposta, reposicionando não apenas o produto ou serviço, mas a própria identidade empreendedora. A cada mudança, novas dúvidas surgiam, exigindo mais redesenhos e recomeços. E uma pergunta recorrente pairava no ar: “Será que estou tentando demais?”. Mas uma lição que a maturidade e o programa me ensinaram é que errar faz parte do processo; o que não entra no meu vocabulário é desistir.
Persisti. Reorganizei. Refiz. E mesmo diante das limitações – o programa tem uma data término – concluí o programa em terceiro lugar. E não foi por ter a melhor tecnologia, ou o pitch mais ensaiado. Foi porque não abri mão da minha trajetória para caber num modelo pré-formatado de sucesso. Me mantive inteira no processo.
Durante a jornada, a síndrome da impostora apareceu inúmeras vezes, com sua voz conhecida, sussurrando que talvez eu estivesse ali por sorte, que não sabia o suficiente, que incomodava. Na semana de encerramento, meu desempenho foi horrível na pré-banca, chorei sozinha. Mas prometi que faria o meu melhor, respeitando meus limites. E foi assim que comecei a responder a essa voz com uma pergunta que, até então, eu mesma nunca tinha me feito: “E se eu estiver exatamente no lugar certo, justamente por tudo o que vivi até aqui?”
Enquanto isso, do lado de fora, percebi que falamos com entusiasmo crescente sobre a chamada economia prateada, um termo elegante para descrever o poder de consumo das pessoas com mais de 50 anos. Mas o mercado ainda nos vê majoritariamente como consumidores, raramente como criadores, e quase nunca como empreendedores ou inovadores. A nossa presença é valorizada quando se limita ao papel de público-alvo, não quando assume o protagonismo do palco.
A definição da Academia Brasileira de Letras é clara: economia prateada é o conjunto de atividades econômicas voltadas à população idosa. Segundo o IBGE, até 2030 o número de idosos no Brasil deve ultrapassar o de crianças. Mesmo assim, continuam escassos os programas de aceleração, os editais de fomento ou os olhares de investidores direcionados àqueles que decidem empreender depois dos 50.
A verdade é que nós empreendemos. E muito! Dados da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) revelam que pessoas entre 45 e 64 anos representam mais de 35% dos empreendedores ativos no Brasil. Ainda assim, quando se fala de startups, de tecnologia e inovação, a imagem que se projeta é quase sempre a de um jovem, homem, branco, com camiseta minimalista e ideias disruptivas. Pouco se fala sobre quem chega com rugas (não que eu tenha rugas, está bom?) e vivência, mas também com visão estratégica e fôlego emocional.
O maior pitch não foi no Demo Day.
Foi aquele em que precisei convencer a mim mesma de que ainda era possível.
Em muitos momentos, imaginei que o desafio maior seria dominar a linguagem técnica, entender as ferramentas ou navegar pelo ecossistema da inovação. Mas, no fim das contas, o desafio real foi romper com a narrativa de que essa fase da vida já estava resolvida. Como se a maturidade viesse com um pacto silencioso de não se arriscar mais. Como se ousar, depois de certa idade, fosse um gesto quase ofensivo.
O mundo ainda espera que mulheres da minha idade aceitem estabilidade como troféu. Mas eu escolhi o risco como caminho.
Começar depois dos 50 não é ousadia. É revolução íntima.
E uma forma de devolver ao tempo o que ele ensinou: coragem refinada.
Empreender nessa fase da vida não tem a ver com provar algo para os outros. Tem a ver com reconquistar o protagonismo depois de anos sendo apoio. Tem a ver com transformar a maturidade em ferramenta de criação e tomada de decisão. E, acima de tudo, com entender que não precisamos mais pedir permissão.
Fiquei em terceiro lugar.
Mas o que mais me importa é que, nesse processo, eu me coloquei em primeiro lugar pela primeira vez em muito tempo.
E você? Está esperando o “momento ideal” ou já entendeu que o tempo certo pode ser agora?
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A gente precisa conversar sobre o que ninguém espera que a gente faça e, mesmo assim, a gente faz.
Referências
https://gazetadebebedouro.com.br/quem-serao-os-idosos-de-2030.