IA como companhia: uso emocional da inteligência artificial já supera aplicações técnicas

Pedro Barbosa - editor
Estudo da Harvard Business Review aponta que 31% das interações com IA são voltadas a suporte pessoal e profissional, superando funções como criação e edição de conteúdo. Fenômeno desafia especialistas e reacende o debate sobre limites da IA na saúde mental.Foto: Adobe Stock.

Em 2025, a principal função atribuída à inteligência artificial generativa não está mais ligada à produtividade. Pela primeira vez, o uso emocional como companhia, escuta ou acolhimento ultrapassou aplicações técnicas como criação, edição de conteúdo ou programação. É o que aponta um estudo da Harvard Business Review, que analisou os 100 casos de uso mais relevantes de IA generativa no último ano. A pesquisa, conduzida pelo cofundador da Filtered.com e autor do livro Timeboxing: O poder de fazer uma coisa de cada vez, Marc Zao-Sanders, mostra que os usos voltados a apoio psicológico aparecem com frequência cada vez maior, rivalizando com a criação de conteúdo e se destacando como uma das principais funções da IA em 2025.

Os dados reforçam uma tendência crescente: a IA deixou de ser apenas uma ferramenta de produtividade para se tornar também um espelho emocional da era digital. O estudo também aponta que 1 em cada 5 aplicações mais populares envolve algum tipo de suporte emocional, como diários terapêuticos, simulações de conversas com terapeutas ou assistentes de bem-estar. A mudança no comportamento dos usuários acende alertas na comunidade científica e entre profissionais da saúde mental.

Para a pró-reitora de Ensino da Universidade Feevale, profa. Dra. Maria Cristina Bohnenberger, a IA é apresentada como uma alternativa para a solução de problemas, por vezes, complexos de resolver. | Foto: Divulgação/Universidade Feevale.

Para a pró-reitora de Ensino da Universidade Feevale, profa. Dra. Maria Cristina Bohnenberger, a inteligência artificial tem sido utilizada em diversos contextos como uma forma de buscar respostas rápidas, de baixo custo e sem necessidade de interação com outros seres humanos. “A IA é apresentada como uma alternativa para a solução de problemas, por vezes, complexos de resolver. No contexto do suporte emocional são esperados os mesmos resultados”. Entretanto, Maria Cristina alerta que é preciso considerar a complexidade de funcionamento emocional do ser humano, que não é racional, e é repleta de simbolismo. “Este conjunto de fatores impacta significativamente na capacidade de resposta que a IA pode oferecer”.

Segundo a coordenadora do curso de Psicologia da Feevale, profa. Claudia Maria Teixeira Goulart, ainda há uma resistência da população em buscar atendimento psicológico, embora se observe uma abertura crescente. “Buscar acolhimento emocional em ferramentas de IA pode ser uma forma acessível, rápida e anônima. A pessoa não precisa expor sua intimidade diretamente a outro ser humano, o que ainda representa uma barreira para muitos”.

Além disso, Claudia explica que fatores como a falta de conhecimento sobre onde buscar ajuda qualificada e a percepção de que o atendimento psicológico é financeiramente inacessível contribuem para essa tendência. “As respostas objetivas e diretas da IA podem parecer atraentes, uma vez que muitas pessoas podem ter a sensação de alívio, mesmo que ilusória, ao se deparar para respostas simples para situações que são complexas”.

IA como aliada pessoal e profissional

A corretora de imóveis em Novo Hamburgo/RS, Ana Cristina Goulart Braga, 32 anos, começou a usar o ChatGPT para otimizar estratégias de vendas e gestão de equipe. Com o tempo, passou a utilizá-lo também para análises comportamentais. “Percebi que a IA estava analisando meu perfil psicológico e igualando minha forma de falar. Então, comecei a perguntar coisas mais pessoais, até sobre pessoas com quem me relacionava”.

Para Ana, a inteligência artificial ajuda a racionalizar situações, mas não substitui um profissional. “É uma ferramenta boa para te fazer pensar. Mas pode ser perigosa se a pessoa não tiver discernimento. Vai muito do tipo de pergunta que se faz e de como se filtram as respostas”.

Essa combinação entre tecnologia e acolhimento também chama a atenção da terapeuta integrativa Bruna Zynskis, que atua há três anos com foco na autocura e no desenvolvimento pessoal, em Palhoça/SC. A terapia integrativa tem ganhado espaço como uma alternativa complementar à psicoterapia tradicional, especialmente em casos de ansiedade, burnout, síndrome do pânico e outras condições que afetam corpo e mente. O método propõe um olhar ampliado sobre o paciente, indo além da fala e acessando memórias e emoções armazenadas no corpo.

Para a terapeuta integrativa Bruna Zynskis, a IA constrói suas respostas a partir dos inputs que fornecemos, que são fragmentos da nossa história, traços da nossa personalidade. | Foto: Divulgação.

Utilizando um mapa corporal, aplica o protocolo 7Healings (criado pela Dra. Roberta Rocco), uma abordagem que busca desbloquear traumas e ressignificar experiências. Bruna, que é uma das precursoras da técnica de autocura terapêutica no Brasil, explica que as sessões são mensais, e os resultados costumam ser percebidos já nos primeiros encontros, promovendo leveza emocional e clareza para decisões mais conscientes no presente. “Embora não substitua a psicoterapia convencional, a terapia integrativa se apresenta como um caminho potente de reconexão com a saúde emocional, atuando na raiz das queixas e promovendo alívio em ciclos mais curtos, geralmente de até quatro meses”.

Em sua rotina, Bruna ainda não percebe um impacto direto da inteligência artificial. “Nenhum paciente, até agora, mencionou ter buscado atendimento por influência das IAs, seja por incentivo ou resistência. O que observo são conversas em círculos mais próximos, como amigos e colegas comentando sobre o uso dessas ferramentas para organizar pensamentos ou lidar com questões pontuais”. Ela conta que, em alguns momentos, recorre a esses recursos para estruturar ideias. “Mas, em termos de aumento ou queda na demanda terapêutica, ainda é cedo para apontar uma tendência concreta. Trata-se de um movimento recente, com maior visibilidade há pouco mais de um ano. Talvez, com o tempo, a influência da IA nesse campo se torne mais evidente”.

A terapeuta integrativa acredita que o principal cuidado, ao buscar apoio emocional por meio da inteligência artificial, está na forma como interpretamos as respostas que recebemos. “A IA constrói suas respostas a partir dos inputs que fornecemos, que são fragmentos da nossa história, traços da nossa personalidade. Com o tempo, ela começa a fazer conexões e entregar conteúdos que soam coerentes. Mas a pergunta essencial é: aquilo é, de fato, uma verdade? Por isso, reforço a importância de manter um senso crítico”.

Para a terapeuta integrativa, quando alguém busca uma segunda opinião com a IA, muitas vezes por não ter com quem conversar ou por não querer se expor, começa a surgir um vínculo emocional com a ferramenta. “Isso pode parecer inofensivo à primeira vista, mas carrega um potencial de dependência. Estamos falando de pessoas que, por múltiplas razões, não conseguem validar suas decisões sozinhas e recorrem à IA buscando uma resposta, um ‘brilho’ sobre aquilo que estão vivendo. E o que acontece? A resposta vem com uma entonação positiva, por vezes até bajuladora, quase como uma massagem no ego. O problema é que esse reforço constante pode viciar”.

10 principais casos de uso de Ia. | Reprodução/Harvard Business Review/Filtered.com.

No artigo publicado na Harvard Business Review, Zao-Sanders, explica que quando as pessoas veem outras fazendo uso eficaz, produtivo e vantajoso de uma tecnologia, elas seguem o exemplo. “Os casos de uso no mundo real mudam o comportamento de uma forma e em uma extensão que RP, liderança de pensamento e brilhantismo tecnológico simplesmente não conseguem. Portanto, ao trazer à tona casos de uso das profundezas de centenas de subreddits, esperamos aumentar a conscientização e acelerar as muitas aplicações positivas e benéficas da IA generativa”.

Essa ampliação do cuidado pessoal com apoio digital também se reflete no crescimento de plataformas como o Guia da Alma, que conecta terapeutas holísticos a pessoas em busca de escuta ativa, autoconhecimento e equilíbrio emocional. Com atendimentos 100% online, a plataforma exemplifica a digitalização do acesso a terapias alternativas e pode ser um caminho de continuidade para quem inicia esse processo por ferramentas de IA.

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Jornalista e Mestre em Comunicação, ambos pela Unisinos. Possui pós-graduação - MBA em Design Digital e Branding e pós-graduação em Gestão da Tecnologia da Informação, ambos pela Uninter. Já atuou no setor público e privado, tendo trabalhado no governo do Estado do Rio Grande do Sul, com deputados estaduais, federais, no Jornal NH e no Parque Tecnológico São Leopoldo - Tecnosinos.
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