Nos últimos anos, o conceito de ESG (ambiental, social e governança) deixou de ser um diferencial e passou a ser um fator estratégico para empresas de todos os portes, inclusive startups. Em um cenário de mudanças regulatórias, maior exigência dos investidores e consumidores mais atentos às práticas empresariais, adotar uma abordagem sustentável não é apenas uma questão de reputação, mas de competitividade e sobrevivência.
Para startups, que nascem em ambientes de alta incerteza, integrar práticas de ESG desde os primeiros estágios pode ser decisivo para atrair investimentos, mitigar riscos e consolidar um modelo de negócio mais sólido. No entanto, estruturar essa governança exige equilíbrio entre propósito e pragmatismo: como criar um modelo sustentável sem comprometer a agilidade e a inovação? E como os acordos de sócios podem contribuir para garantir esse alinhamento?
Sustentabilidade como estratégia de crescimento
Para o CEO do Grupo Leveros, Tiziano Pravato Filho, as práticas ESG estão no centro da estratégia de longo prazo da companhia. “Dentro do grupo, buscamos alinhar nossos projetos a práticas que promovam sustentabilidade e inclusão. ESG deixou de ser algo opcional e se tornou essencial”.
Pravato Filho destaca o papel das startups nesse cenário. “Temos visto um aumento de empresas que já nascem com propósito alinhado a práticas sustentáveis. Embora ainda exista uma ‘corrida maluca’ por resultados, há cada vez mais consciência de que impacto social e ambiental são pilares fundamentais para o sucesso a longo prazo”.
A experiência do Grupo Leveros na capacitação de prestadores de serviço é um exemplo de como o aspecto social pode se tornar um diferencial competitivo. “Se eu vendo um ar-condicionado, por que não garantir que o profissional que vai instalá-lo esteja qualificado? Criamos academias profissionalizantes dentro de nossas lojas, empoderando os parceiros que estão na ponta da cadeia”, explica Pravato Filho.
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Valorização de investidores
A sócia da Ventiur Smart Capital, Gabrielly Balsarin, destaca que ter boas práticas de ESG pode sim pesar na decisão de um investimento, mesmo que o negócio não atue diretamente na área. “Quando uma empresa demonstra ser diligente, organizada, ambientalmente e socialmente responsável, isso transmite confiança. São aspectos que mostram que ela tem uma base sólida para crescer de forma sustentável”.
No entanto, ela pondera que o foco em startups ESG depende da tese de cada fundo. “Alguns investidores buscam diretamente negócios com esse perfil. Outros não. Mas o que é unânime é que práticas ESG bem estruturadas são um diferencial competitivo”.
ESG como ferramenta de posicionamento
No South Summit Brazil 2025, realizado de 9 a 11 de abril, em Porto Alegre/RS, o CEO da ESG Now, Elias Neto, destacou que o principal motor da adoção do ESG nas startups tem sido o mercado B2B. “As grandes corporações estão exigindo que suas fornecedoras estejam alinhadas com essa agenda. Se a startup quiser vender para esse público, ela precisa estar preparada”.

Segundo Elias, muitas empresas só começam a estruturar essas práticas quando percebem que isso é uma exigência para fechar contratos com grandes players. “É um movimento puxado pelo mercado, que exige qualificação da cadeia de valor. Por isso, vale começar cedo, especialmente se a startup quiser escalar no segmento corporativo”.
No próprio South Summit, a ESG Now demonstrou na prática como a agenda ESG pode ser aplicada de forma estratégica e inovadora. Responsável pelo inventário de emissões de gases de efeito estufa do evento pelo terceiro ano consecutivo, a startup também liderou uma ação de mobilidade urbana sustentável em parceria com a Whoosh, incentivando o uso de patinetes elétricos para reduzir as emissões associadas ao deslocamento.
Além de calcular a pegada de carbono do evento, a ESG Now registrou as emissões evitadas com o uso dos patinetes, promovendo uma nova camada de engajamento ambiental entre os participantes. “Nosso papel vai além de mensurar. Queremos provocar mudanças reais de comportamento, e o South Summit foi uma vitrine para isso”, ressaltou Elias.
ESG como cultura e visão de longo prazo
Para a especialista em desenvolvimento profissional e mudanças organizacionais, Susana Azevedo, a integração da agenda ESG nas organizações exige consciência, paciência e disposição para estruturar processos. “É preciso entender que esse trabalho não traz resultados imediatos. É como plantar uma semente. Se não houver alinhamento entre os sócios sobre o prazo e os entregáveis intermediários, o processo pode se tornar desgastante”, alerta.

Susana é sócia da Quantum Development, uma consultoria com foco em empresas familiares de médio porte e executivos de grandes empresas, que ajuda organizações a transformar suas visões e planos em realidade, conectando diferentes elementos da estrutura empresarial. Para ela, o primeiro passo é promover o debate interno com dados e diagnósticos claros, evitando abordagens superficiais ou alarmistas. “A conversa precisa ser estruturada com base em números e métricas. Não é por pensamento mágico que as coisas vão dar certo. É preciso envolver lideranças capazes de sustentar um processo de transformação com paciência e consistência”.
Ela também destaca a importância de métricas observáveis e processos claros. “O mesmo cuidado que temos ao definir metas de vendas e calcular margens de lucro deve ser aplicado às estratégias de liderança, diversidade, compras sustentáveis e cultura organizacional”.
Uma agenda que vai além da reputação
No contexto atual, ESG não pode mais ser tratado como uma tendência passageira. Ele está intrinsecamente ligado à governança e ao modelo de gestão das empresas. A médio e longo prazo, a capacidade de uma organização gerar impacto positivo, reduzir riscos e construir uma cultura responsável pode ser o diferencial entre crescer ou ficar para trás.
Mais do que um conjunto de boas intenções, ESG é, como destacou Susana, uma questão de crença: “é preciso confiar que construir valor com responsabilidade é, no fim das contas, a forma mais inteligente e sustentável de fazer negócios”.