Se tem algo que me fascina, são as empresas familiares, suas idiossincrasias e, simultaneamente, suas conquistas e relevância para a economia, não só no Brasil, mas em todo o mundo. A maioria das empresas familiares brasileiras – algumas delas, hoje em dia, grandes multinacionais – nasceram de um sonho de seus fundadores, de uma vontade de fazer a diferença ou da necessidade de empreender para sobreviver.
Nas empresas familiares brasileiras, o conceito de “família” é abrangente, englobando sogros, cunhados, primos e seus respectivos familiares, que frequentemente atuam na empresa. Essa participação ocorre independentemente de suas qualificações ou do desempenho apresentado. Por outro lado, essas companhias enfrentam desafios de profissionalização, reestruturação e modernização tecnológica para lidar com a complexidade e a globalização, competindo em um mercado internacional interconectado. Esse contexto é “doloroso”, com diversos desafios, tanto na gestão quanto na sucessão, na cultura e no desenvolvimento de liderança.
A importância da governança corporativa
É nesse ponto que entra um tema que acredito ser de extrema importância para apoiar essas empresas: a governança corporativa. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) define governança corporativa como um “sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável para a organização, seus sócios e a sociedade em geral”. Trata-se de uma evolução de uma visão focada no retorno para acionistas e donos para uma visão de ecossistema interconectado e complexo, tal qual o contexto no qual as empresas operam.
A governança surge como uma das bases para a sustentabilidade desejada pelas empresas familiares, na medida em que traz clareza, consistência e confiabilidade para a gestão da organização. Empresas com processos, políticas e estruturas bem definidos, alinhados à visão de negócio, à estratégia e à cultura, têm maior probabilidade de sucesso. Elas atraem melhores profissionais, mais recursos e clientes, transmitindo uma imagem de credibilidade e confiança, além de se tornarem mais eficazes, eficientes e adaptáveis aos desafios da profissionalização e modernização.
Como promover as mudanças
O desafio é trazer estes conceitos para a mesa de discussão de donos e familiares que trabalham na empresa, pois, acreditam muitas vezes, que o modo como as gerenciam – frequentemente de forma intuitiva e centralizada – “sempre deu certo”. O livre arbítrio desses donos deixa de ser a regra e precisa se alinhar a formas estruturadas de trabalho e de tomada de decisões gerais, o que pode gerar uma sensação de aparente perda de controle e de poder sobre o destino da empresa. Ao estabelecer uma governança, as empresas “dono-dependentes”, cujos donos são carismáticos e inspiradores pela força e coragem demonstradas ao construir seus negócios, passam a compartilhar a gestão e a tomada de decisões com suas equipes, aceitando que nem tudo mais passará por eles.
O aspecto positivo é que a partir do entendimento de que o que funcionou em uma organização menor, em um ambiente menos complexo e interconectado, não funciona em contextos de expansão, mudança e transformação, a governança corporativa passa a ser vista por esses líderes como um dos segredos para alavancar seus negócios — não apenas no curto prazo, mas sobretudo no médio e longo prazos.