ONG Prototipando a Quebrada já impactou 5 mil pessoas e projeta formar 1 milhão de jovens para o mercado de tecnologia

Pedro Barbosa - editor
Entre os 190 educandos formados até hoje pela organização de Florianópolis, 61% estão empregados no setor de tecnologia.Foto: Divulgação/PAQ.

Promover a mobilidade social através da tecnologia. Essa é a missão da ONG Prototipando a Quebrada (PAQ), criada em 2018, que já capacitou 190 jovens de 15 a 21 anos e atualmente conta com 80 participantes ativos. Com foco na inclusão, a iniciativa tem mudado realidades na região metropolitana de Florianópolis/SC, conectando jovens talentos da periferia ao mercado de trabalho e ao ensino superior. O impacto já é expressivo: mais de 20 formandos ingressaram na universidade e 40 estão empregados, sendo 61% no setor de tecnologia.

Ao utilizar ferramentas de ensino, possibilitar conexões, acesso a centros de inovação e espaços de tecnologia, a iniciativa ajuda a transformar vidas. De acordo com o fundador da ONG, o educador Jefferson Lima, o PAQ tem uma meta audaciosa: quer impactar 1 milhão de pessoas nos próximos anos e ampliar sua atuação para outras regiões do Brasil. “A ideia é apoiar jovens talentos em todos os estados e municípios do país”.

O PAQ desenvolveu uma metodologia que, segundo Lima, pode ser replicada em outras comunidades, de forma horizontal e vertical. Em termos horizontais, ele explica que a ONG quer chegar a mais cidades de Santa Catarina nos próximos três anos, aproveitando-se das conexões que o ecossistema de inovação catarinense pode oferecer. “Estamos olhando para cidades como, por exemplo, Blumenau, que também possui um centro de inovação. Isso nos permitiria surfar nessas conexões já existentes”.

Na vertical, a ideia do PAQ é estabelecer parcerias com ONGs locais. “Estamos em fase de testes e protótipos. A expansão só vai ser possível se conseguirmos superar a barreira da Grande Florianópolis. Então, estamos focados em identificar as melhores oportunidades e validar essas parcerias”, destaca o educador.

Para tal, o fundador do PAQ entende que a união entre as ONGs não basta para alavancar o projeto. Também será preciso envolver o poder público. “A política pública é essencial para escalar essas ações, afinal, é preciso garantir que os investimentos no desenvolvimento tecnológico dos jovens sejam estruturados e contínuos. Aí entra a importância de dialogar com o poder público, participar de comitês e trazer isso para o centro da agenda política”.

Formação tecnológica e transformação social

Com oito semanas de duração, o programa do PAQ inicia com uma jornada imersiva, onde os participantes aprendem conceitos de tecnologia, desenvolvem habilidades socioemocionais e constroem uma rede de contatos com profissionais do setor. Não é preciso qualquer conhecimento prévio em tecnologia. A próxima turma começará no dia 10 de março, com 30 participantes, sendo 10 na Acate (Floripa – Ilha), 10 no Inaitec (Pedra Branca) e 10 na Olodum Sul (Floripa – continente). “Nesse primeiro momento, a ideia não é que os jovens aprendam profundamente as hard skills. Eles vão ter acesso às ferramentas iniciais para começarem a jornada no mundo da tecnologia”, explica Lima.

Ao final da imersão, os jovens talentos podem seguir para formações mais específicas como programação, design, jogos digitais e dados, realizadas em parceria com instituições educacionais como, por exemplo, a Alura e a Rocketseat, além de empresas apoiadoras como a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc).

Durante o programa, os jovens talentos recebem mentoria de voluntários e acesso facilitado a vagas de estágio e trainee. Além disso, uma equipe multidisciplinar acompanha o desenvolvimento dos alunos e ajuda a criar um ‘senso de comunidade’. Lima entende esse apoio como fundamental, pois, de que adiantaria oferecer o curso e depois deixar os alunos à deriva, sem uma rede de suporte. É aí que entra a importância de pertencer a algo maior, de ter uma comunidade. “Somos uma comunidade de aprendizagem, um ambiente em que o conhecimento é compartilhado de forma colaborativa, prática e transformadora”, destaca.

Além disso, os participantes do projeto têm acesso a uma infraestrutura de qualidade, com computadores de última geração, monitores extras e ferramentas que usariam no ambiente de trabalho real. Para o educador, sem um ambiente adequado, o aprendizado se torna quase impossível. “Quem nunca esteve na favela ou em uma situação de vulnerabilidade, não entende o que isso realmente significa. Não dá para ensinar só no papel, tem que ser no dia a dia, com estrutura e apoio”.

Não é sobre dinheiro, mas sim, uma mudança de perspectiva, a possibilidade de sonhar, de viver algo diferente. Dentro dessa mudança, o discurso deles também muda. Eles estão começando a ver a universidade como uma possibilidade real. E isso vai além da educação, é sobre oportunidades de vida. Se não fosse pela inserção no PAQ, será que esses jovens estariam indo por esses caminhos? Provavelmente não.

Fundador da ONG Prototipando a Quebrada, Jefferson Lima.
Diretor de Aprendizagem do PAQ, Cadu Ferrari e o fundador do PAQ, Jefferson Lima, durante o programa de transformação social da Ambev, o Ambev Voa 2024.

Para os jovens que estão pensando em ingressar no mercado de tecnologia, o educador dá uma dica: procure programas como o PAQ, se conecte com pessoas que já estão nesse processo e não desista. “A vida vai te desafiar, especialmente se você é da periferia, se é negro, se tem um CPF com histórico de dificuldades. Vai ter que pegar vários ônibus para chegar à faculdade, fazer estágio, se esforçar muito, mas a chave é se conectar com as pessoas certas e perseverar. A vida vai ser dura, vai exigir muito de você, mas é importante não se deixar desanimar. Vai ser difícil, mas é possível”.

Atualmente a ONG mantém cinco unidades de formação, localizadas na Acate, TXM Methods, BeWiki e na Escola Olodum Sul, em Florianópolis, e no Inaitec, em Palhoça. Além da capacitação direta, a organização também treina educadores, que replicam a metodologia PAQ, ampliando o alcance do projeto. Desde sua fundação, a ONG movimenta cerca de R$ 600 mil por ano nas comunidades onde atua, fortalecendo a economia local.

Incubando uma ideia

Engana-se quem pensa que a criação da Prototipando a Quebrada foi fácil. Antes de fundar a ONG, Lima passou por um longo ‘processo de ideação’. E essa jornada começou lá atrás, quando ele ainda dava os primeiros passos na escola. “Eu venho da periferia e tive professores que foram vetores de transformação na minha vida. Pequenos gestos, como uma professora me levando à biblioteca ou um professor me apresentando ao RPG, expandiram minha visão de mundo”.

Um pouco dessa história, Lima compartilhou no TEDxLages.

Por oito anos, o fundador do PAQ foi professor de tecnologia numa escola na comunidade do Monte Serrat em Florianópolis/SC. “Eu dava aula de robótica e jogos digitais e percebi como a tecnologia pode ser uma ferramenta de transformação social”. Ao ensinar tecnologia, o educador descobriu que podia promover experiências como, por exemplo, campeonatos e levar os alunos a eventos em centros de inovação, poderia mudar suas realidades. “Isso reforçou minha visão sobre o impacto da educação tecnológica na vida de crianças e adolescentes”.

Em 2018, quando ainda não era empreendedor, veio o convite para participar de uma edição do Startup Weekend. “Eu organizava grupos de professores, conseguia patrocínios para levar os alunos a eventos, mas empreendedorismo não era algo que eu conhecia de fato. Quando eu participei do Startup Weekend, foi um choque! Descobri o mundo das startups, dos MVPS e testes de negócio”, recorda o fundador do PAQ.

A empolgação inicial teve como resultado duas tentativas frustradas de empreender: uma startup para formação de professores e uma produtora audiovisual. “Nesse processo, eu percebia que precisava criar algo que realmente gerasse transformação social. Foi aí que comecei a pensar em um instituto”.

Em meio ao insucesso dos dois negócios, Lima ganhou um kit de robótica similar aos que utilizava nas aulas na comunidade do Monte Serrat. Foi aí que ele teve uma ideia: “tem esse tal de MVP, vou testar para ver se funciona. Montei uma turma em outra comunidade. Bati na porta da ONG que estava lá e falei que queria dar aula de robótica. Eles aceitaram, eu escrevi a proposta e comecei a levar uma vez por semana. Comecei com cinco alunos e, em dois meses, já tinha 40”.

O projeto foi crescendo e, em 2019, foi batizado. Nascia a ONG Prototipando a Quebrada. “Como trabalhávamos com tecnologia, o nome veio dessa ideia de prototipar, tirar um conceito da cabeça e transformar em algo real. E tinha tudo a ver com favela e periferia, porque ‘quebrada’ é uma gíria para isso em São Paulo”, explica o fundador do PAQ.

Equipe que atua na linha de frente do PAQ.

O desafio da Pandemia

As primeiras participações em editais e processos de incubação começaram ainda em 2019. Voluntários se somaram ao projeto e o PAQ começou a crescer. No começo de 2020, a ONG já atuava em quatro comunidades, atendia 100 alunos e contava com o apoio de 12 voluntários. Mas aí veio a Pandemia de Covid-19 e uma grande interrogação surgiu: como subir o morro e dar aula de robótica em meio à pandemia? “Simplesmente não dava. Além disso, tinha a questão do acesso à tecnologia, pois muitos alunos não tinham nem celular”, recorda Lima.

Nesse período de incerteza, o fundador do PAQ precisou tomar uma decisão difícil: pausar a operação da ONG. Mas, isso não significou o fim do projeto. Ao contrário. “Comecei a perceber que nossos alunos estavam crescendo, buscando vagas de jovem aprendiz, querendo entrar no mercado de trabalho. E se, em vez de focar só em robótica, a gente preparasse esses jovens para carreiras no mercado de tecnologia? Foi aí que o projeto mudou de rumo”, recorda um Lima com aquele olhar de quem decidiu pivotar o negócio.

A primeira turma rodou em um projeto piloto online, onde Lima lecionava de sua casa, com os voluntários mentorando os alunos à distância. “Entendemos que nosso foco era trazer o jovem da favela para dentro dos centros de inovação. A ideia era criar um ambiente de aprendizagem onde os jovens quisessem estar, com espaços descontraídos, como puffs coloridos e um coworking, além de um ambiente que tivesse programadores conversando com jovens no café, meetups acontecendo”.

Em 2021, o PAQ começou um processo de incubação no Inaitec – hub de negócios da Grande Florianópolis, tendo a oportunidade de desenvolver essa ideia. Quatro anos depois, a ONG se organizou, investiu em governança, cresceu e alcançou o break-even (conceito financeiro que indica quando as receitas de uma empresa igualam os seus custos). “Não adiantava só bater na porta de grandes empresas e dizer: olha, meu projeto é superlegal. A governança é uma parte fundamental para atrair investidores, porque eles querem ter certeza de que tudo está funcionando de forma estruturada e transparente”, diz Lima.

Saiba mais

Atualmente o PAQ conta com o apoio de mais de 60 voluntários e uma rede de empresas parceiras. Já impactou mais de 50 instituições e atingiu um público de 5 mil pessoas. A iniciativa segue expandindo suas ações para inserir cada vez mais jovens no mercado de tecnologia, proporcionando acesso a oportunidades de trabalho e educação.

Para saber mais sobre o PAQ, suas atividades ou apoiar a iniciativa, acesse: prototipandoaquebrada.org.

TAGS:
Por Pedro Barbosa editor
siga>
Jornalista e Mestre em Comunicação, ambos pela Unisinos. Possui pós-graduação - MBA em Design Digital e Branding e pós-graduação em Gestão da Tecnologia da Informação, ambos pela Uninter. Já atuou no setor público e privado, tendo trabalhado no governo do Estado do Rio Grande do Sul, com deputados estaduais, federais, no Jornal NH e no Parque Tecnológico São Leopoldo - Tecnosinos.
Deixe um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sair da versão mobile